Os Estados Unidos lançaram neste mês uma de suas maiores bombas não nucleares em um complexo de túneis usado pelo grupo autodenominado Estado Islâmico (EI) no leste do Afeganistão. Foi a primeira utilização dessa arma em batalha.
O correspondente da BBC Auliya Atrafi foi ao local do bombardeio para verificar se o ataque causou, de fato, algum impacto sobre o EI. Leia abaixo o relato do repórter:
"A vista sobre o vale é linda, com campos verdes e árvores. O vale vai se estreitando e as colinas se transformam em montanhas. Mais adiante está a Montanha Branca, que marca a fronteira entre Paquistão e Afeganistão.
Mas foi impossível contemplar a vista com aviões de combate americanos circulando a área e lançando bombas. Uma delas atingiu a parte mais estreita do vale. Ali, segundo um jovem soldado, caiu o explosivo conhecido como "mãe de todas as bombas".
Eu estava confuso. Relatos sobre a bomba me fizeram pensar que ela teria eliminado a base do Estado Islâmico na região de Achin. Imaginei que tropas americanas e afegãs tivessem isolado a área e que o EI estaria desorganizado.
Um oficial afegão me corrigiu. "Para começar, essa bomba não é tão poderosa como você pensa", disse. "Ainda há árvores verdes a cem metros do local do impacto."
Vários soldados do EI foram mortos pela "mãe de todas as bombas" (Moab, na sigla em inglês), mas não se sabe ao certo quantos. O governador de Achin, Ismail Shinwary, citou ao menos 90 baixas.
"O EI não foi a lugar algum, há centenas de cavernas como essa que os americanos bombardearam", diz o oficial afegão, acrescentando que os combates continuaram mesmo após o ataque. "Eles (americanos) não conseguem se livrar deles assim."
Aparentemente os combates continuavam ao longo de uma extensa área nas montanhas. As bombas não davam trégua e preenchiam o terreno com fumaça e barulho.
Perfil dos combatentes
Mas o Estado Islâmico está, sim, perdendo homens. O chefe da polícia local, major Khair Sapa, me mostrou fotos de combatentes mortos. Tinham barba e cabelo comprido.
Na morte eles pareciam dignos de pena, algo bem diferente da imagem que tentam projetar em seus vídeos de propaganda – montando cavalos, portando bandeiras negras ou obrigando moradores locais a se sentar em bombas – e os explodindo em seguida.
O major disse que alguns dos militantes eram estrangeiros, mas era difícil de distinguir pelos rostos empoeirados e deformados.
Sapa nos mostrou listas de números de telefones afegãos, escritas à mão e apreendidas em operações. Alguns nomes eram, de fato, árabes e paquistaneses.
As informações de Sapa foram confirmadas por Hakim Khan e seus companheiros das chamadas "milícias do povo", grupos de segurança formados por moradores locais. A organização de milícias, ainda que pró-governo, é vista como sinal de fraqueza e instabilidade das forças oficiais.
"Eles são de tudo: usbeques, tajiques, árabes, wahabistas da Província de Kunar. Eles não têm para onde ir, melhor enterrá-los nas cavernas onde estão se escondendo", diz Hakim Khan.
Ele mora no vale de Mamand, área ainda sob controle do Estado Islâmico. "Queira Deus – os americanos nos prometeram que limpariam o vale inteiro dos militantes do Daesh (Estado Islâmico)", diz.
Diferentemente do Talibã, que tende a arregimentar muitos apoiadores nas áreas que dominam, o EI parece ter despertado raiva em muitas pessoas. Poucos deixavam de aprovar o bombardeio americano.
Repercussão local
A poucos quilômetros dali, a vida normal continuava. Mulheres carregavam água, crianças jogavam críquete e as moradores seguiam suas tarefas cotidianas.
Mesmo assim, algumas pessoas demonstravam ansiedade. Um homem que se identificou como Khaled disse que os locais eram apenas peões em um jogo comandado pelos americanos.
"(Jogar a bomba) foi um truque para mostrar ao mundo que a missão estava indo bem, mas não era o tipo de bomba que a imprensa mostrou. Essa bomba não fez nada."
"O EI vai voltar?", perguntei.
"Sim, assim que o governo sair, os locais não conseguirão combatê-los. Se o governo manter as bases na área e nos ajudar, aí ficaremos felizes", afirmou Hakim Khan.
Outro morador sugeriu que uma bomba mais potente poderia causar mais danos ao EI. "Deixe os americanos trazerem uma maior, essa era muito pequena", disse.
EI em atividade
No alto das colinas, Hakim Khan e seus amigos interceptavam, via rádio, conversas por walkie-talkie entre combatentes do EI. Os militantes estavam se apoiando e em contato com simpatizantes em uma vila próxima.
Um guarda de fronteira questionava se o comprometimento do governo Donald Trump seria suficiente para derrotar o EI. "Quanto mais matamos, mais eles vêm pelo outro lado da linha Durand (demarcação de fronteira não reconhecida pelo Afeganistão), no Paquistão", disse.
Após uma noite em segurança em Jalalabad, voltamos ao local na manhã seguinte.
Não havia combates, então nos dirigimos ao vale até sermos parados por forças especiais afegãs perto do local da queda da bomba. Os soldados concordaram em nos mostrar as imediações.
Segundo eles, os combatentes do EI veem a área como sua propriedade.
Depois que a maioria dos moradores deixou a área, o Estado Islâmico proibiu o cultivo de papoula e começou a plantar trigo, o que deixou o vale verde. Agora a região se tornou campo de batalha, com corpos caídos ao lado de árvores ocas que combatentes usam para dormir.
Shear, um soldado afegão com jeito de durão, disse que os membros do EI são "loucos" e muito comprometidos.
"Eles aproveitam ao máximo suas simplórias armas russas, são soldados técnicos", disse. "Você não consegue ouvi-los chegando pelas montanhas, eles usam seis pares de meias e se aproximam sem você perceber."
"Nas montanhas, eles lutam individualmente ou em grupos de dois ou três. Eles não deixam suas posições, então você tem que ir até lá matá-los. E seus companheiros não voltam para buscá-los, eles ficam lá até morrer."
Esperamos por uma permissão para visitar o local de impacto, cercados por caixas de suprimentos militares lançadas do ar.
Nosso guia era Haji Beag, um comandante de unidade, que nos mostrou uma "base de comando e prisão do EI".
Uma porta levava a uma pequena caverna que podia abrigar dez pessoas. O local foi cavado na pedra e parecia bastante sólido – deixando claro por que encontrar e matar militantes do EI nessas montanhas demanda tanto tempo e esforço.
Na entrada da caverna havia uma cadeia improvisada, feita de telas de metal.
Para Beag, foi uma boa ideia lançar a "bomba mãe" para atingir cavernas usadas há décadas por diferentes grupos extremistas – mujahideen (guerrilheiros muçulmanos que combateram na guerra afegã-soviética), talibãs e, recentemente, o Estado Islâmico.
"Encontramos 20 corpos na área após a explosão. O sistema de cavernas foi destruído", disse. "É possível que a maioria dos mortos estejam enterrados lá dentro."
O trajeto até o local exato onde caiu a bomba foi curto. Aviões americanos sobrevoavam o local para bombardear um vale nas imediações. Ao chegarmos lá, um foguete caiu 200 metros à frente de onde estávamos.
Ninguém ficou ferido, mas não permitiram nossa aproximação. Era possível ver dali, no entanto, árvores queimadas e alguns locais afundados. Não havia uma grande cratera. Não longe dali, havia casas e árvores verdes.
Ao deixarmos o vale, o bombardeio continuava.
Ao final, ficou claro que a bomba lançada em 13 de abril não chegou perto de causar grande estrago para o Estado Islâmico na região. Ao menos para mim, a "mãe de todas as bombas" não pareceu à altura de sua reputação."
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